segunda-feira, novembro 29, 2004



"...De longe vem um rumor, um canto. Vem chegando. Toda gente quer ver. São quinze, vinte moleques. Devem ser jornaleiros, talvez engraxates, talvez moleques simples. Nenhum tem mais de quinze anos. É uma garotada suja. Todos andam e cantam um samba batendo palmas para a cadência. Passam assim cantando alto, uns rindo, outros muito sérios, todos se divertindo extraordinariamente. O coro termina e uma voz de criança canta dois versos que outra voz completa. E o coro recomeça. Eles vão andando depressa como se marchassem para a guerra. O batido das palmas dobra a esquina. Ide, garotos de Vila Isabel . Ide batendo as mãos, cantando. Ide, filhos do samba, ide cantando para a vida que vos separará e vos humilhará um a um pelas esquinas do mundo.

O menino, filho do Dr Heitor, ficou com inveja olhando aqueles meninos que cantavam e iam livres e juntos pela rua. A empregada do Dr Heitor disse que aqueles eram os moleques, e que estava na hora de dormir. A empregada do Dr Heitor é de cor parda e namora um garboso militar que uma noite não virá ao portão e depois nunca mais aparecerá, deixando a empregada do Dr Heitor à sua espera e à espera de alguma coisa. De alguma coisa que será um molequinho vivo que cantará samba na rua, marchando, batendo palmas, desentoando com ardor."

Rio, fevereiro de 1935

Na terra da alegria, país do carnaval
na cidade maravilha, a coisa vai mal
(...)
não pode ter nome
só pode letra
não pode ter olhos
só tarja preta

A Empregada do Dr Heitor, O Conde e o Passarinho, Rubem Braga
Batalha Naval, Pedro Luís e Bianca Ramoneda