Bárbara
Ela tem os olhos da mãe...os olhos de minha mãe...eu nunca os vi, mas lembro que quando eu era bem pequena ouvi dos criados que os meus olhos eram iguais aos da minha mãe...depois foram deixando de falar dela...esquecendo. Mas eu não esqueci e fiquei imaginando seu rosto, de olhos iguais aos meus, uma mulher de olhos de criança.
Um dia perguntei a ama, se era mesmo verdade que eu tinha os olhos da minha mãe, ela disse que minha mãe era uma criança assustada e triste, que tinha sim, os olhos iguais aos meus, mas que era com meu pai que eu me parecia, e eu fiquei na dúvida se isso seria bom ou mau.
O meu pai...os criados tinham medo dele, até a ama, quando ele estava em casa falava baixo, olhava para o chão. Ele também me disse que eu tenho os olhos de minha mãe. Os olhos que ele não encontrou quando regressou de viagem, nem minha mãe nem o filho que ele tanto queria. Só uma menina magra, que ninguém sabe como sobreviveu e que ninguém esperava que ele um dia fosse erguer, aceitar como filha. Mas ele me deu seu nome, me salvou de um destino cruel. Assim me contaram os criados e por causa disso eu o amei: meu pai.
Foi por isso que eu desobedeci a ama, naquela tarde em que ele chegou cansado de viagem. Não olhei para o chão, não abaixei a cabeça. Olhei nos olhos do homem que não me rejeitara, o homem com quem, fora os olhos, eu me parecia. Olhei, com todo amor que eu tinha, os olhos do meu pai.
Ele disse que me mostraria o mundo, mas nunca me levou alem dos muros do jardim.” Ah, tolices de menina, o melhor do mundo ´são os presentes que te trago: ouro, sedas, pedras raras, conchas. Até os melhores professores...minha casa toda aos seus cuidados e caprichos...criados e escravos a seus pés”...tudo belo, vazio e morto como seus deuses de pedra, que eu quebrei um por um. Tão poderosos os deuses de meu pai que se faziam em pedaços nas mãos de uma criança.. Ah, meu pai...ainda assim eu te amei...e rezei junto com a ama para que você retornasse sempre com os presentes e as riquezas que tanto te orgulhavam e que para mim diziam tão pouco...
Não sei ao certo que idade tenho; a idade do mundo, talvez... Talvez seja muito mais velha do que a minha mãe ou a ama. O tempo passa rápido demais para uma menina. Doze anos, treze anos? A filha agora tem que se tornar mãe. Passa rápido demais o tempo dos brinquedos. As tardes no jardim com o pai. Ele sabia disso, eu pressenti
Dizem que sou bela, bonita até demais para uma esposa. A beleza numa mulher é algo que se equilibra com dificuldade entre a virtude e o vício, a maldição e o dom. Meu pai me disse isso e é provável que esteja certo. Perguntei se era bonita como a minha mãe, se éramos parecidas, a ama riu, disse que éramos muito diferentes, embora ambas fossemos bonitas. Disse que eu parecia um rapaz com seios e que para ela, as vezes era mais fácil me imaginar à frente de um exército do que fiando numa roca. Eu nunca entendi essas coisas da ama, nunca me interessei por armas e tropas, gostava de ouvir as histórias de meu pai, isso eu gostava. Nunca desejei também ser a esposa de ninguém, mas penso que gostaria de ser mãe, de olhar nos olhos de minha filha e ver os meus olhos, os olhos da minha mãe, os da mãe dela também. Ficava as vezes pensando coisas assim...Mas isso foi antes, antes da torre.
A torre não seria para mim maior prisão que o próprio corpo. Ah, meu pai querido, tão certo de seu poder, tão viajado e sábio, não percebe que é mais escravo que os servos que julga possuir
Foi com os criados da casa que aprendi primeiro as coisas de Deus. Aprendi sobre amor e perdão. Sobre um tesouro, que diferente dos que o meu pai possuia, jamais seria saqueado. Sobre um pai que consola os que sofrem e reparte o seu reino com os justos e puros de coração, com as crianças. Eu tentei falar ao meu pai, achei que a mim ele escutaria. Enganei-me, meu pai não escutava ninguém, nem mesmo seu coração, talvez por isso prefira seus deuses de pedra.
Não sei ao certo o que me espera, não sei se terei coragem ou força para suportar, sou uma menina criada entre paredes de pedra, talvez fraqueje, talvez chore. Talvez meu rosto e meu corpo frágil não consigam revelar a intensidade do meu amor por Cristo, pelos homens, por meu pai. Sim, por meu pai, daqui a pouco ele retorna com os soldados, vou rezar, pedir coragem. Quando ele entrar por aquela porta estenderei a mão. De olhos fechados deixarei que ele me conduza pela escuridão, subirei com ele a montanha, dócil como nunca consegui ser...se tiver tempo, quem sabe, antes da lâmina, avisto o mar...
2 Comments:
Nos achamos, chérie. Ainda morando na Lapa ? beijos!
Ah, entendi agora a foto! Tá fazendo teatro...quem sabe escreva para ? bjs!
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