
Helena
Nasci, morrerei.
Nesse pouco ou muito tempo, quase nada fiz.
Fora a artrose minhas dores são todas dores-fantasma.
A vida escorre vermelha fora de mim enquanto nas minhas veias corre um líquido rosa pálido, conformado com o correr pacífico pelo amontoado dos dias. Não sou hipertensa, diabética, cardiopata, todas as drogas que uso são perfeitamente lícitas, todas as minhas contas pontualmente pagas.
Levanto e deito com a consciência tranquila e o coração vazio.
Talvez seja tarde para fazer diferente.
Tempo perdido, tempo ganho, tempo morto?
Arrumo as gavetas e os armários. Tudo combina, tudo encaixa.
De tão discreta tornei-me invisível.
Sou parte da mobília, do conteúdo das gavetas e pastas, uma fotografia mais antiga do que eu.
E se saísse por aí com uma flor amarela nos cabelos, sombra azul nos olhos, chinelos?
Comprasse flores na feira, bombons no supermercado, passasse pela banca de jornais sem arriscar uma única olhada, entrasse num ônibus vermelho e cruzasse a cidade até o ponto final?
Não sou mais jovem e ainda não sou velha o bastante para rir dos meus medos.
Acordo e durmo.
E só.
(Prosa Sem Batom, fragmento)
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